21 de set. de 2017

não, não somos todos iguais.

reforço, contorno, bordas, limite. Ser perfeito. Estar no padrão.


Nós bem sabemos, e já vamos preparadas - emocionalmente; em toda ação de doação #brincandocomLola algo inédito ocorre. Acontece que, aqui em São Paulo, vivemos um 'ineditismo recorrente'.

fronteiras - eu e o outro - limites


Nós estamos pouco mais de um ano em São Paulo e este ano realizamos 22 ações de doação Brincando com Lola, com quase mil Lolas doadas. O cenário nem sempre é o mesmo: fomos em abrigos, Centros para crianças e adolescentes (programa da prefeitura de contraturno escolar), projetos sociais e também no Hospital Itaci.

Ao longo dos anos realizamos ações por alguns estados do Brasil: Minas Gerais, Santa Catarina, Pernambuco, Rio Grande do Sul e, no estado que um dia já foi nossa casa, o Rio de Janeiro.

Nós realizamos ações desde 2012 e até então nunca (nunca quer dizer em nenhuma outra ação da Lola - mesmo) havíamos vivenciado tal necessidade.

Aqui em São Paulo - seja em cenário de vulnerabilidade extrema ou aqui no ateliê - presenciamos uma necessidade absoluta de preenchimento e reforço do contorno da Lola. O preto.
o contorno

Tanto a Lola quanto o Dôdu da ação são estampados a partir da estamparia manual com carimbos, feitos de borracha - que nós esculpimos aqui no ateliê. A estamparia manual é uma técnica que usamos desde 2009, quando a Lola se tornou empresa-existência-produto. E foi quando eu fui estudar e me especializar em arteterapia (para me preparar para o trabalho que desenvolvemos hoje) aprendi e entendi que o carimbo é ferramenta que multiplica, mantendo a unidade de cada um; assim como todos nós, que não somos todos iguais, mas somos todos seres humanos - cada um com sua história, seu repertório pessoal, suas experiências e vivências.

"Nossa humanidade compartilhada é selvagemente desafiada quando as múltiplas divisões no mundo são unificadas em um sistema de classificação supostamente dominante - em termos de religião, comunidade, cultura, nação ou civilização. O mundo visto apenas como algo dividido é muito mais desagregador do que o universo plural e as diversas categorias que formam o mundo em que vivemos. Vai não só contra a antiquada crença de que "nós, seres humanos, somos todos iguais" como também contra o menos discutido, porém muito mais plausível, entendimento de que somos diversamente diferentes. A esperança de harmonia no mundo contemporâneo reside, em grande parte, em um entendimento mais claro das pluralidades da identidade humana e no reconhecimento de que elas se interconectam e atuam contra uma nítida separação ao longo de uma única linha solidificada impenetrável de divisão." (SEN, Amartya: 2015, p.11)

 limites - ou padronizações?
 O que pensar, então, quando observamos tal necessidade do perfeito, do padrão, do "não ter falhas" (como algumas crianças respondem quando são questionadas sobre o reforço do preto)? O que pensar de uma sociedade que tem a necessidade de desenvolver cursos de teatro para profissionais atuarem no mercado corporativo? O que pensar dos padrões exigidos, dos rótulos, nomes, - e a errônea ideia de que somos todos iguais? - intolerância, descaso, discurso de ódio, exclusão. Gentrificação.

Nossa proposta aqui é a reflexão.
O quanto todos nós estamos imersos em tais necessidades de nomes, categorias e padrões. O quanto nós fazemos parte disso e o quanto podemos desconstruir essa ideia de que perfeito é aquele que não tem falhas, não tem  marcas, não tem cicatrizes e precisa pensar igual ao todo.


O quanto esta ideia reverbera nas nossas crianças, em nós; o quanto isso reflete a infelicidade latente de uma cidade, que ao nosso ver é extremamente generosa (mas nossa visão é de fora, de outro contexto)  e dura ao mesmo tempo. O quanto eu não permito que o outro me veja - e como consequência - o quanto eu não me vejo no outro. E assim, seguimos de forma cruel, sem conseguirmos pensar de maneira coletiva.

É preciso quebrar esta barreira.
É preciso estar disponível.
É necessário. E é urgente.

da necessidade de criar limites



SEN, Amartya. "Identidade e Violência: ilusão do destino", São Paulo: Iluminuras: Itaú Cultural, 2015

[...com Lola é um Negócio Social. Nossa missão é ressignificar vidas. Para cada produto que você compra, nós doamos uma Lola ou Dôdu com ação de arteterapia vivencial para uma criança ou jovem que teve seus direitos violados e/ou está em situação de vulnerabilidade aparente. Desde 2009.]


Um comentário:

  1. Oi Tânia e Emika, é Keli Vasconcelos, parabéns por este desabafo tão importante! Numa das últimas atividades que participei, o encontro de fotografia analógica, falou-se disso. É um desafio a gente ser a gente mesmo, que os nossos defeitos são perfeitos. E quem não segue os padrões, paga caro - e nas mais diversas esferas da vida (casa, família, escola, trabalho, relacionamentos). Outra provocação é o fato de um adolescente, adulto brincar com a boneca. Já devem ter passado por essa situação: de oferecê-la e a pessoa ficar com 'vergonha' e não interagir com o seu semelhante, que é boneca em si. Afinal, na visão geral é "infantil" quem permanece brincando. Brincar e aceitar-se são transformadores. Obrigada sempre, gente, e até!

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